Opinião

A grande conversação



Dos tempos do curso de mestrado em Ciências da Linguagem, na Unisul (SC), compartilho hoje uma reflexão tirada do livro "A Filosofia e o Espelho da Natureza", do filósofo norte-americano Richard Rorty, falecido em junho de 2007. O objetivo da obra, segundo Rorty, é minar a confiança na "mente", como algo sobre o qual se deveria ter uma visão "filosófica"; no "conhecimento", como algo sobre o qual deveria haver uma "teoria" e que tem fundamentos; e na "filosofia", como esta foi concebida desde Kant. As imagens valem mais do que as proposições, as metáforas mais que as afirmações, que determinam a maior parte de nossas convicções filosóficas. A imagem que mantém cativa a filosofia tradicional é a da mente como um grande espelho.

O "historicismo" proposto por Rorty tem o condão de demonstrar como filósofos dualistas hipostasiaram conceitos, tentando-os a torná-los universais, e como isso foi levado a cabo pelos filósofos de tendência cartesiana. Em verdade, o instituto dual mente-corpo nada mais é do que uma invenção paradigmática. Trata-se de um verdadeiro "jogo de linguagem". Tal jogo revela, de acordo com Rorty, "um conjunto inteiro de termos e suposições centrados na imagem da mente como espelhando a natureza, e que conspiram para dar sentido à afirmação cartesiana de que a mente é naturalmente dada a si mesmo. É essa própria imagem que deve ser colocada de lado."

Para Rorty, hermenêutica é uma expressão de esperança em que o espaço cultural deixado pela extinção da epistemologia não seja preenchido - de que a nossa cultura se tornasse tal que a exigência de restrição e confrontação não mais seja sentida. Acrescenta que construir uma epistemologia é encontrar a quantidade máxima de terreno comum com os outros. Assim, a tal esperança nunca é perdida enquanto dure a conversação.

Essa esperança não é a esperança da descoberta de terreno comum anteriormente existente, mas apenas a esperança de concordância, ou, ao menos, discordância interessante e frutífera. A filosofia precisa ser encarada como uma grande conversação. Conforme Davidson, há a necessidade da ocorrência de interesse sincero pelo que o outro fala. Essa interação social passa pela linguagem como instrumento e ferramenta. Porém, não podemos minar a confiança em conceitos. A concordância voluntária e a discordância tolerável fazem parte do contexto, no qual a vontade de entender o que o outro diz precisa ser aceita.

A boa vontade, a atenção às metáforas, o holismo - visão da comunicação - e a eliminação de dogmas são princípios valorizados por Rorty para promover a tal triangulação, tendo a linguagem como ferramenta, a palavra em movimento e o processo de criatividade livre. Para Rorty, "não podemos considerar a verdade a meta de uma investigação. O propósito da investigação é chegar a um acordo entre os seres humanos sobre o que fazer, criar um consenso sobre os fins a serem atingidos e os meios a serem usados para isso."

O filósofo também destaca que "as linguagens não são tentativas de copiarmos o que existe; por isso, não há como separar a contribuição que o objeto traz ao nosso conhecimento da contribuição dada por nossa subjetividade." Se encararmos o conhecer não como tendo uma essência a ser descrita por cientistas ou filósofos, mas antes como um direito, pelos padrões correntes, de acreditar, então estaremos bem no caminho de ver a conversação como o contexto último dentro do qual o conhecimento deve ser compreendido.

Que a grande conversação prolifere em 2018 e contamine nossas lideranças políticas em propostas e ações factíveis e benéficas para o povo brasileiro.

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